A “desagregação” no ensino superior e os novos desafios da universidade.

Assessoria de Comunicação da Universidade de Caxias do Sul - 25/05/2018 | Editado em 30/05/2018

No início de maio, Tristan McCowan, pesquisador inglês na área da Educação Superior, participou, na UCS, de encontros com professores e gestores da Universidade, em que discutiu o fenômeno da desagregação (unbundling) na educação superior, que ocorre, inicialmente, no âmbito das instituições com fins lucrativos, como uma forma estratégica de viabilizar financeiramente a expansão das matrículas e manter a sustentabilidade institucional.

Além de analisar essa nova tendência, Tristan propõe novas ferramentas conceituais para mapear as implicações desse fenômeno nas três dimensões da Universidade: Valor, Função e Interação; ao mesmo tempo em que lança questões sobre as alternativas que estão sendo buscadas, no contexto do ensino superior global, para fazer frente a essa realidade, enfatizando o propósito fundamental da Universidade que deve ser o de promover o bem público e garantir a igualdade de oportunidades para todos.

Formação voltada para o tema da Educação e Cidadania

Interesse pelo modelo das universidades comunitárias

Em maio, Tristan esteve no Rio Grande do Sul para uma missão acadêmica na Universidade de Passo Fundo (UPF) e na Universidade de Caxias do Sul. No dia 7 de maio, foi o pesquisador convidado do Seminário Internacional sobre o Modelo Comunitário na Educação Superior, organizado pela UPF e do qual participaram reitores e gestores das universidades do Consórcio das Universidades Comunitárias Gaúchas (Comung) e da Associação Catarinense das Fundações Educacionais (Acafe), assim como representantes do governo do Estado, e o presidente da CAPES, Abílio Afonso Baeta Neves.

No encontro, as discussões giraram em torno dos desafios que se colocam para as universidades brasileiras, especialmente para as universidades comunitárias, que buscam formas de conciliar expansão e qualificação institucional com sustentabilidade econômica. Convidado para debater “o modelo comunitário na educação superior: uma visão de futuro”, Tristan apresentou uma panorama das tendências da educação superior no mundo, e abordou a desagregação (unbundling), que já se percebe em universidades de diferentes países – sendo mais forte nas instituições norte-americanas – daquilo que é reconhecido como a essência da Universidade: a tríade ensino, pesquisa e extensão.

Em matéria publicada no site do Comung, Tristan falou sobre o seu interesse pelo modelo comunitário de universidade e destacou a possibilidade de inovação que esse modelo permite. “Eu vejo o modelo comunitário como pouco usual no mundo, eu vejo poucos exemplos em outros países de modelos de universidade que têm esses laços fortes com a comunidade. Esse modelo é muito interessante, mas pouco divulgado. E uma das coisas nas quais nós estamos trabalhando junto com colegas dessas universidades é pensar em como divulgar isso, tanto fora quanto no Brasil, e contribuir compartilhando as experiências com as comunidades”.

Após o seminário na UPF, Tristan passou alguns dias na Universidade de Caxias do Sul com uma agenda de atividades que começou com a participação no 5º Seminário da Rede do Grupo de Pesquisa Identidade X Imagem Institucional das Universidades Comunitárias no Sul do Brasil, com pesquisadores da UCS, da UPF, da Universidade do Extremo Sul Catarinense (Unesc) e da Universidade do Vale do Itajaí (Univali) que desenvolvem um projeto, financiado pelo CNPq, que visa a ouvir a comunidade interna e externa dessas instituições, para verificar de que forma a imagem projetada pela universidade se relaciona com a identidade institucional. Consultor do projeto, Tristan acompanhou a socialização dos dados obtidos pelas universidades na pesquisa com seus diferentes públicos, também colaborou com a discussão sobre o referencial teórico e o plano de publicações decorrentes dos resultados do projeto.

Ao primeiro contato, além do português fluente, logo se percebe o olhar especial e o interesse que ele mantém sobre o Brasil. Interesse que começou “como curiosidade sobre o país e um amor pela música, pela cultura e pelo povo”, evoluiu para intercâmbio acadêmico – entre o mestrado e o doutorado, ele foi bolsista em um projeto de pesquisa sobre Política Educacional Latino-Americana na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e atuou com meninos de rua em uma ONG da cidade do Rio de Janeiro – e hoje se consolida na colaboração efetiva com diferentes grupos de pesquisa do país na área da Educação, inclusive com a Universidade de Caxias do Sul, uma interação no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Educação. Tristan McCowan, doutor em Educação pela Universidade de Londres, é um estudioso dos sistemas educacionais, e, mais recentemente, vem se dedicando à educação superior, trazendo para o debate temas como o direito universal à educação superior, a qualidade da oferta no contexto da massificação e universalização da educação superior, e as questões que envolvem o aporte de recursos para a educação superior, num contexto de crescente mercantilização da educação, em suas diferentes ofertas. Parte dessa reflexão, Tristan desenvolve no artigo A base conceitual do direito universal à educação superior, publicado na Revista Conjectura da Universidade de Caxias do Sul, publicada em 2015.

Com graduação em Letras, especialização em Literatura Hispano-Americana, mestrado em Educação e Desenvolvimento Internacional e doutorado em Educação, Tristan é professor do Instituto de Educação da Universidade de Londres e desenvolve projetos de pesquisa sobre a educação superior em países da África e America Latina. Dentro da sua área de investigação, colabora com vários projetos de pesquisa coordenados por pesquisadores brasileiros e tem participado de eventos científicos, sendo reconhecido por seus colegas brasileiros pela capacidade de abrir os espaços do Instituto de Educação e na própria Universidade de Londres para o intercâmbio com  universidades brasileiras. Entre fevereiro de 2015 e janeiro de 2016, a professora Nilda Stecanela, atual pró-reitora Acadêmica, realizou seu Estágio Pós-Doutoral, na condição de Honorary Research Associate, no Instituto de Educação, sob a supervisão de Tristan. Entre as publicações resultantes dessa experiência, Nilda realizou uma entrevista com Tristan, em que destaca “os importantes contributos de suas reflexóes e publicações para o debate no âmbito dos direitos humanos, do direito à educação e do direito à aprendizagem transversalizados pela discussão sobre a educação para a cidadania, mais recentemente, a educação superior”.

Nessa entrevista,  publicada, no início de 2017, no periódico Práxis Educativa, da Universidade Estadual de Ponta Grossa e pode ser lida aqui. Tristan fala da sua trajetória pessoal e acadêmica, do seu interesse pelo Brasil e pelo pensamento de Paulo Freire, e de seu objeto de estudo mais recente, que é justamente a educação superior.

“O foco do meu trabalho atual é de repensar a Universidade, os modelos históricos de Universidade e as reflexões filosóficas sobre que tipo de Universidade temos e que deveríamos ter. E essas reflexões filosóficas vinculam-se a duas áreas de trabalho empírico: (a) uma sobre o Brasil, que vem da época em que estava morando no Brasil, há quase 15 anos, pois já tinha um interesse na privatização da educação superior e no surgimento do modelo empresarial de Universidade e as implicações desse crescimento rápido do setor privado para a igualdade de oportunidades; (b) e os projetos atuais que tenho, que são na África, onde desenvolvo duas pesquisas internacionais sobre qualidade de ensino, uma experiência muito interessante de trabalho com universidades africanas”.

A desagregação na educação superior: uma discussão necessária

Na UCS, além das atividades com estudantes do Mestrado e Doutorado em Educação, e da participação em um encontro com mais de uma centena de pós-graduandos onde abordou as possibilidades e estratégias da publicação de paper em língua inglesa, Tristan foi convidado a compartilhar com gestores e coordenadores de cursos de graduação e pós-graduação, suas pesquisas sobre o fenômeno da desagregação (Unbundling) na educação superior. Fenômeno, “que pode nos levar ao fim da universidade da forma como a conhecemos hoje, o que, talvez não seja um problema, se conseguirmos colocar alguma coisa melhor no seu lugar”, segundo o pesquisador.

Suas análises teóricas – descritas no artigo A “desagregação” do Ensino Superior (The “unbundling” of Higher Education), publicado no início deste ano pela Revista Eletrônica de Educação, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) – partem da premissa que existe, no mundo inteiro, uma crítica aos modelos tradicionais de universidade. E, embora, o número de matrículas globais no ensino superior tenha se expandido fortemente nas últimas duas décadas – fenômeno que também ocorreu no Brasil – há um questionamento por parte da sociedade sobre a preparação dos graduados e a sua capacidade de empregabilidade num contexto de transformação constante do mundo do trabalho. Por outro lado, a sustentabilidade institucional é um fantasma que assombra não só os administradores das instituições particulares ou empresariais. Universidades públicas ou sem fins-lucrativos, como é o caso das universidades comunitárias, também procuram estratégias para manter e aperfeiçoar um modelo institucional baseado na indissociabilidade da tríade ensino, pesquisa e extensão. Em um cenário de grande competitividade, o desafio é como manter esse modelo e ao mesmo tempo garantir os recursos que sustentem a qualidade das atividades de ensino, pesquisa e extensão.

É nesse contexto, que surge a dinâmica da desagregação – “o processo pelo qual os produtos anteriormente vendidos em conjunto são separados em suas partes constituintes” -, impulsionada, a princípio, por motivações financeiras mas que acabam por interferir nas capacidades das instituições de promoverem o bem público e a garantia da igualdade de oportunidades ao acesso à educação superior. Em seu artigo, Tristan explica detalhadamente como se dá na prática o fenômeno da desagregação e as implicações que dele podem decorrer. “O processo de desagregação na educação superior já está em andamento, como evidenciado em uma variedade de fenômenos, entre os mais famosos os cursos online abertos e massivos; a separação de profissionais envolvidos na concepção e entrega de cursos (particularmente em cursos online), o crescimento de instituições somente de ensino, o desenvolvimento de cursos mais baratos, e a redução da proporção de funcionários permanentes”.

Além de analisar essa nova tendência, Tristan apresenta um referencial teórico com novas ferramentas conceituais para mapear as implicações da desagregação nas três dimensões da Universidade: Valor, Função e Interação; ao mesmo tempo em que lança questões sobre as alternativas que estão sendo buscadas pelas universidades para fazer frente a essa realidade, não deixando de enfatizar o propósito fundamental da Universidade que deve ser a promoção do bem público e a garantia da igualdade de oportunidades.

Fotos: Claudia Velho