Campus 8: as imagens além das fotografias, na visão da artista plástica Rosângela Rennó.

Assessoria de Comunicação da Universidade de Caxias do Sul - 25/10/2017 | Editado em 25/10/2017

Uma das mais importantes artistas contemporâneas brasileiras, Rosângela Rennó falou sobre passado e futuro das imagens em palestra no Campus 8 da Universidade de Caxias do Sul.

Pensar na fotografia como arte, indo além de seus ciclos e suportes tradicionais, se torna possível por meio do trabalho de Rosângela Rennó. Formada em Artes Plásticas e doutora em Artes, a mineira, que atua no Rio de Janeiro, é uma das artistas mais importantes da arte contemporânea brasileira e encontra na linguagem fotográfica sua maior expressão. Ela ministrou a palestra Passado e Futuro das Imagens no Campus 8 da Universidade de Caxias do Sul, no dia 19 de outubro, para acadêmicos, professores e profissionais da Área do Conhecimento de Artes e Arquitetura. Formada em Artes Plásticas pela Escola de Comunicações e Artes da USP, Rosângela assina obras marcadas pela apropriação de imagens descartadas, encontradas em mercados de pulgas e feiras, além de investigar as relações entre memória e esquecimento. Seu trabalho com fotografias, objetos, vídeos ou instalações utiliza-se de álbuns de família e imagens de arquivos públicos ou privados e resulta, ainda, na criação de livros autorais.

Relação
Rosângela, que já expôs em vários países e conquistou diferentes prêmios, relembrou o início de sua relação com a fotografia analógica, na década de 1980, enquanto se dedicava ao desenho. Também arquiteta, nunca atuou profissionalmente na área, mas credita sua disciplina e interdisciplinaridade à arquitetura. “A maneira com a qual eu trabalho com fotografia é grande devedora dos princípios arquitetônicos”, considerou.

Nessa época, a produção de fotos era muito documental. “Tudo o que você queria, gostaria ou pensasse em realizar que não fosse estritamente documental entrava numa espécie de gaveta de experimentalismo que, de certa forma, encobria ou disfarçava uma dificuldade da década de 1980 relacionada a qualquer tentativa de trabalhar com linguagens ou questionar a linguagem fotográfica”, afirmou, sobre o momento pós-ditadura no qual se experimentava a hegemonia da pintura e uma antipatia aos profissionais dedicados a questões fotográficas.

Papéis sociais e agendas
Para a artista, a fotografia cumpre papéis sociais e agendas, como a científica, criminal, documental e artística. Construída a partir de ferramentas e de aparelhos ideológicos maiores, a prática a fascinou. Dedicou-se ao que nascia desprovido de caráter estético, como imagens produzidas para documentos de identidade ou jornais, e decidiu parar de fotografar no final dos anos 80. A partir de 1989, já utilizava-se apenas de materiais prontos. A liberdade de seu trabalho partia da ausência de um mercado próprio e do entendimento das pessoas e instituições acerca do que era produzido.

Colecionadora de material fotográfico e de tudo que se relaciona a ele, Rosângela é estimulada por aquilo que encontra. “Sou uma curiosa e os projetos nascem muito dessa busca”, revelou. A observação das imagens na internet, em outdoors e grafites também ensina muito. “Gosto muito de trabalhar com os meios de ver, mais do que produzir. Colocar-me na posição de espectadora me abre o território de poder dar o mesmo valor para uma imagem de arquivo e outra feita por um profissional”. Ela lembrou que, assim como as pessoas, seus retratos também têm um ciclo de vida, cumprindo funções e sendo, depois, descartados. Ao retornar para as mãos de outra pessoa, como as suas, ganham outra carga simbólica, um novo futuro a partir da ressignificação.

Quem assistiu à palestra também pôde conhecer melhor o trabalho de Rosângela a partir das imagens e objetos fotográficos das exposições As Afinidades Eletivas (1990), Bela e a Fera (1992), um dos que mais expõe, Realismo Fantástico (1992), Private Eye (1995), Bibliotheca (2002), A Última Foto (2006), O Menos-Valia [Leilão] (2010), Río-Montevideo (2011) e Operação Aranhas/Arapongas/Arapucas (2014).

    

Meio digital
Rosângela exaltou a magia da fotografia, que chama de caráter inicial, presente entre o que se está representando ou o que é olhado pela lente e o que é capturado através da película, e declarou que essa sutil conexão, que em sua visão torna a imagem mágica, hoje não existe mais. Isso, somado à falta de corporeidade do que é digital, explica sua relação quase que somente instrumental com esse tipo de produção.

A artista reforça a importância de ocupar o lugar de espectador. Com muita gente produzindo, a fotografia digital e as imagens começaram a perder o valor, e a importância e o impacto do que é feito passaram a ser questionados. “Você vai ter que entender o que pode fazer, a potência da imagem, aprender a lidar com aquilo para que tenha, de fato, uma significação”, defende. E como aprender? Rosângela afirma não haver fórmula mágica e indica ver o que os outros fazem, observar os mestres e ir para a rua, experimentar. “Eu gosto de ver, de aprender com gente mais nova do que eu, que faz coisas mais arrojadas”.

Censura atual
Rosângela aproveitou a oportunidade para se posicionar sobre as recentes manifestações de censura a exposições artísticas, convidando o povo a pensar, criar ou aumentar o movimento que já tomou conta do país, tentar contraações em oposição ao que impede a liberdade de expressão. “Não podemos perder território para esse conservadorismo absurdo que estamos vivendo”, opinou. Ao encerrar sua apresentação, novamente abordou a má interpretação das obras. “A arte não incita nada, a arte representa, quer falar de outras coisas”, sustentou.

Fotos: Claudia Velho