Cidades inteligentes: tecnologia nos sistemas urbanos centrada nas pessoas e no bem-estar.

Assessoria de Comunicação da Universidade de Caxias do Sul - 22/03/2018 | Editado em 16/01/2024

Encontro na UCS reuniu pesquisadores para tratar sobre desenvolvimento baseado em conhecimento como fator de desenvolvimento para cidades e regiões.

Alinhada ao debate sobre desenvolvimento baseado em conhecimento, a Universidade de Caxias do Sul promoveu um encontro com referências mundiais no tema cidades inteligentes (smart cities). Organizado pela Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação, o evento teve a participação dos professores Tan Yigitcanlar, da Queensland University of Technology (Austrália), presidente do Fórum Mundial das Cidades do Conhecimento, Francisco Javier Carrillo Gamboa, do Instituto Tecnológico de Monterrey (México), e Jamile Sabatini Marques, do Programa de Pós-Graduação em Engenharia e Gestão do Conhecimento da Universidade Federal de Santa Catarina. Estiveram reunidos no Salão de Atos da Reitoria nesta segunda-feira (19 de março), comunidade acadêmica, representantes do poder público de Caxias do Sul e região e de entidades municipais.

Para a pró-reitora de Pesquisa e Pós-Graduação da UCS, Nilda Stecanela, o tema é atual e desafiador para o conjunto de ações da sociedade, seja em termos de desenvolvimento econômico, cultural e social, e desenha-se uma perspectiva muito importante de que se movimente para além das questões teóricas e de discurso e resulte em práticas adotadas pela sociedade. A professora do Programa de Pós-Graduação em Administração da UCS Ana Cristina Fachinelli, uma das articuladoras da realização, destacou a abordagem de um tema que vem ganhando muita relevância mundial.

“Adquirir tecnologia pode não resolver os problemas das cidades, sua efetividade está em ser integrada à infraestrutura dos sistemas urbanos”

O professor Yigitcanlar associou o megacrescimento da população e das áreas urbanas a catástrofes ambientais. Considerando o Antropoceno, período em que a influência humana torna-se determinante para moldar paisagem e evolução do planeta, lembrou que a ciência projeta a sexta extinção das espécies. “Hoje existem 31 megacidades no mundo. O impacto de nossa civilização aumenta e não é bem gerido ao redor do mundo, o que ocasiona uma série de desafios globais”, avaliou.

>>Se você deseja saber um pouco mais sobre Antropoceno, entre aqui.

A tecnologia – cada vez menor, mais inteligente, eficiente e barata – desponta como oportunidade para combater os desafios atuais. “Adquirir tecnologia pode não resolver os problemas das cidades, sua efetividade está em ser integrada à infraestrutura dos sistemas urbanos”, afirma, em um cenário que inclui uma série de soluções relacionadas a edificações, transporte, recursos naturais e energéticos, que podem auxiliar no desenvolvimento das cidades. São exemplos os aplicativos voltados à gestão de edificações e resíduos urbanos, sistemas de monitoramento de segurança e saúde e ligados ao controle da emissão de carbono.

“Espera-se das cidades inteligentes produtividade e inovação em termos econômicos, mas, sobretudo, que sejam centradas nas pessoas, no bem-estar e na qualidade de vida, sustentáveis e acessíveis”

O pesquisador explicou que o termo cidades inteligentes vem sendo usado por muitos municípios ao longo dos últimos dez anos e que lhe são atribuídas mais de 300 definições diferentes. No contexto da União Europeia, o conceito envolve vida inteligente, mobilidade, pessoas, economia, governo e meio ambiente, todos inteligentes e interligados. “É um erro considerar uma cidade inteligente com base apenas em inovação e tecnologia. Tecnologia é um dos três grandes pilares de sustentação, que incluem comunidade e política”, esclareceu. Para o estudioso, espera-se das cidades inteligentes produtividade e inovação em termos econômicos, mas, sobretudo, que sejam centradas nas pessoas, no bem-estar e na qualidade de vida, sustentáveis e acessíveis, para as quais governo e planejamento são muito importantes. “As cidades inteligentes não surgem por acidente, são criadas a partir das hélices pública, privada, acadêmica e comunitária”. O professor ainda reforçou a importância da análise dos dados gerados pela tecnologia para que possam refletir em melhorias na gestão urbana.

A tecnologia como um meio, não um fim: “é fundamental que as cidades se tornem mais humanas e inteligentes”

A professora Jamile Sabatini Marques defende a tecnologia como um meio, não um fim. “Ela vem melhorar a qualidade de vida das pessoas, é fundamental que as cidades se tornem mais humanas e inteligentes, com foco nas pessoas. Para uma cidade inteligente e sustentável há várias definições. Nosso laboratório utiliza a de uma comunidade que promove sistematicamente o bem-estar e onde se pode morar, trabalhar, estudar e se divertir”, explica a pesquisadora do Laboratório de Cidades Humanas, Inteligentes e Sustentáveis da Universidade Federal de Santa Catarina sobre o trabalho realizado nas óticas da economia, governança, inclusão social, meio ambiente, segurança, mobilidade, lugar e identidade. A pesquisadora concorda com as pesquisas de Yigitcanlar ao definir as pessoas como motor do desenvolvimento econômico, social e urbano.

Para Jamile, os dados de uma comunidade – como recursos naturais, culturais, digitais e intelectuais – são bens comuns e de grande valor. “Dados abertos geram desenvolvimento, empreendedorismo e inovação. Você tem uma cidade conectada, aumenta o número de empreendedores e a inovação, e melhora a qualidade de vida”. Sobre o ecossistema de inovação na economia inteligente, que inclui diferentes atores, a pesquisadora acredita que conhecer leva a criar, e com fomento isso torna-se inovação no mercado, gerando competitividade e desenvolvimento econômico baseado no conhecimento. “Caxias é rica e tem muita cultura, é possível aproximar as necessidades das indústrias com startups, movimentar os sistemas de inovação e reter as pessoas”, sugere.

Reflexão para incitar ações

“Não é um paradoxo que, quando ciência, tecnologia e entendimento humano parecem estar mais avançados do que nunca na história, confrontamos a possibilidade de nossa própria destruição? A raiz é nosso próprio comportamento”, afirmou o professor Francisco Javier Carrilo Gamboa, do Instituto Tecnológico de Monterrey, no México. O presidente do World Capital Institute, que promove o conhecimento como ferramenta para o desenvolvimento, compartilhou reflexões sobre posturas nocivas às gerações futuras:
– O Antropoceno demanda um conhecimento próprio e distinto: como a sua realidade conecta-se às nossas vidas e como esse contexto leva a repensar a cidade como uma inteligência suficiente para sobreviver ao final do século?
– Por que, apesar das evidências dos riscos monumentais às condições de vida no planeta, causados pela ação humana, não respondemos adequadamente?
– O que se passa com o entendimento humano que não consegue conectar conduta presente e consequências futuras?

Gamboa diagnostica as mudanças globais e impactos ambientais como uma síndrome de enfermidades mortais, interdependentes e simultâneas. “Não sabemos o que pode suceder por não haver registro dessa mescla de processos, mas sabemos que sua maioria é incrementada sistematicamente e não há ação humana orquestrada e eficaz para retê-los”. O professor associou a cultura econômica de produção, consumo, bens e serviços às consequências ambientais. “Há culturas econômicas alternativas? O desenvolvimento baseado em conhecimento diz que sim, que podemos pensar criativamente na forma com que criamos e distribuímos valor a partir do entendimento e conhecimento”, indica o professor.

Ao promover reflexões sobre os conhecimentos necessários para interpretar os riscos e responder a eles, o objetivo do pesquisador é incitar ações. “Se Caxias do Sul for inteligente, deixará tudo para repensar sua casa para as gerações futuras, reinventar a forma de viver para se manter habitável. As cidades inteligentes serão de dois tipos em 2100: todas ou nenhuma. Isso, pois, se há uma solução para o Antropoceno, ela é planetária. Caxias não existirá por si, mas como irmã de todas cidades do mundo para transformar a realidade”, concluiu.

Fotos: Claudia Velho