CIÊNCIA PELA VIDA – Com 15 anos de atuação, Laboratório de Pesquisa em HIV/AIDS tornou-se referência nacional no enfrentamento da doença.
A Universidade de Caxias do Sul reuniu especialistas do Brasil e do exterior na área de HIV/AIDS para debater o cenário atual e o enfrentamento brasileiro à epidemia que, segundo relatório da UNAIDS (programa das Nações Unidas de combate à doença), foi causa da morte de 14 mil pessoas no país em 2016.
O Simpósio 15 Anos de Pesquisa em HIV/AIDS no Brasil e no Mundo, realizado em 24 e 25 de agosto, também comemorou os 15 anos de atividades que transformaram o Laboratório de Pesquisa em HIV/AIDS (LPHA) da UCS em referência no país. A palestra de abertura foi do médico oncologista Drauzio Varella, um dos primeiros pesquisadores do tema no país.
O laboratório foi criado em 2002 como resposta a uma iniciativa do National Institutes of Health (NIH), a principal agência norte-americana de fomento à pesquisa na área médica, que oferecia apoio e recursos para a instalação e capacitação de centros de pesquisa internacionais em HIV/AIDS. O foco era a geração de conhecimento qualificado sobre a doença nas áreas laboratorial, epidemiológica e comportamental.

Impacto nacional
“A criação do laboratório nasceu do sonho de um médico – o Dr. Ricardo da Silva de Souza (in memorian) – que, com uma pequena equipe e uma sala emprestada, iniciou na Universidade de Caxias do Sul um projeto capaz de gerar conhecimento qualificado, baseado em pesquisa científica, de forma autossuficiente em termos de financiamento, e de excelência em sua estrutura organizacional e operacional”, destacou a atual coordenadora, Dra. Rosa Dea Sperhacke, ao homenagear o idealizador e primeiro chefe do laboratório, na abertura do simpósio.
Em seguida, ela apresentou um balanço dos resultados que colocam a UCS nos cenários nacional e mundial de enfrentamento da epidemia de HIV/AIDS, como a realização de 23 projetos de pesquisa, em parceria com universidades, institutos, hospitais e centros de referência, com financiamento de agências de fomento à investigação científica.
“Esses projetos impactaram diretamente mais de 87 mil pacientes e têm seus resultados registrados em 21 artigos científicos e em 43 resumos em anais de congressos nacionais e internacionais. A expertise de nossos pesquisadores também colaborou para a elaboração de três portarias e cinco manuais técnicos publicados pelo Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST), do HIV/AIDS e das Hepatites Virais do Ministério da Saúde”, descreveu.

Principais projetos executados no LPHA
O Laboratório de Pesquisa em HIV/AIDS atua de forma multidisciplinar, com base em pesquisa (com estudos epidemiológicos e preventivos, validação de metodologias laboratoriais e estudos sociocomportamentais); extensão (prestação de serviços, na maioria das vezes intrínsecos aos projetos de pesquisa); e o ensino, com a participação de estudantes de graduação e pós-graduação de diferentes cursos. Entre os projetos desenvolvidos, destacam-se:
— Acompanhamento de mulheres portadoras de HIV e seus filhos, com objetivo de avaliar os efeitos da terapia antirretroviral por um período de até cinco anos.
— Diagnóstico da infecção pelo HIV utilizando a metodologia de papel-filtro.
—
Estudo da epidemia do subtipo C do HIV-1.
— Diagnóstico de infecções agudas e recentes do HIV-1 empregando métodos laboratoriais.
— Validação de testes rápidos para o diagnóstico da infecção pelo HIV.
— Prevalência da depressão perinatal e fatores associados nos períodos de ante-parto e pós-parto entre mulheres portadoras do HIV.
— Avaliação da prevalência da infecção pelo HIV, sífilis e hepatites em mulheres e homens em idade reprodutiva.
Redução de índices mostra efetividade de tratamentos
Em junho deste ano, a UNAIDS – Programa Conjunto das Nações Unidas para enfrentamento do Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV), causados da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) lançou seu relatório anual sobre a situação global da epidemia com as últimas estimativas epidemiológicas e a revisão de dados referentes a 2016 em 168 países.
Em nível mundial, a boa notícia é que as mortes relacionadas à AIDS caíram de 1,9 milhão em 2005 para cerca de 1 milhão em 2016, quando 19,5 milhões de pessoas com HIV (53% do total de portadores no mundo) estavam em tratamento, superando os 17,1 milhões registrados em 2015.
Entre 2010 e 2016, também diminuiu em 16% o total anual de novas infecções – no entanto, apesar da tendência mundial de queda, em várias regiões do mundo onde há dificuldades para expandir o tratamento, este índice cresceu.
Gratuidade assegurada
Ainda segundo o relatório da UNAIDS, o Brasil é o país com mais casos de novas infecções por HIV na América Latina, tendo registrado, em 2016, 48 mil novos casos (49% das ocorrências no continente). No mesmo ano, houve 14 mil mortes relacionadas à AIDS no país.
Desde 1996, o Brasil fornece tratamento gratuito pelo SUS para pessoas com AIDS. E, em 2013, o benefício foi estendido a todas as pessoas vivendo com HIV, independentemente de seu estado imunológico. O Ministério da Saúde também vem simplificando e descentralizando o tratamento antirretroviral e aumentando a cobertura de testagem para HIV.

RS tem maior detecção de novos casos do país
De acordo com dados apresentados pela diretora do Departamento de Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs), AIDS e Hepatites Virais do Ministério da Saúde, Adele Benzaken, no simpósio promovido pela UCS, os Estados do Rio Grande do Sul, do Amazonas e de Santa Catarina apresentam os índices mais elevados no ranking de detecção do vírus e nas taxas de mortalidade em decorrência da AIDS. “No RS, único Estado brasileiro onde a sociedade tem resistência ao teste rápido de detecção, a taxa de mortalidade é o dobro da do país”, apontou Adele.
Para fazer frente a essa realidade, o Ministério da Saúde vem implementando ações específicas para esses Estados, especialmente as cooperações interfederativas, com a unificação da agenda de serviços da União, do Estado e dos municípios. O objetivo é expandir o acesso ao diagnóstico rápido e o aprimoramento da gestão em saúde.
A diretora também destacou o Programa Viva Melhor Sabendo, que entre janeiro de 2014 e maio de 2017 possibilitou a realização de mais de 120 mil testes de detecção da doença, sendo que 52% das pessoas examinadas nunca haviam sido testadas antes; e o TeleLab, um programa de educação continuada com cursos gratuitos voltados para profissionais da área da saúde com foco no diagnóstico e no monitoramento da doença.
Saúde pública global
Para a consultora do Laboratório do Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das IST, do HIV/AIDS e das Hepatites Virais do Ministério da Saúde, Miriam Franchini, a epidemia, que já levou mais de 37 milhões de pessoas a óbito em todo o mundo, ainda é um problema de saúde pública global. Ao enfatizar a importância das pesquisas para a evolução dos medicamentos e dos testes de detecção da doença, Miriam destacou a regulamentação do diagnóstico e se mostrou totalmente favorável aos testes rápidos. “É uma ferramenta para se usar sem medo, com toda a segurança”, defendeu.
Referenciando-se nas metas da UNAIDS preconizadas para serem atingidas no ano de 2020 (veja tabela abaixo), a coordenadora do Laboratório de Pesquisa em HIV/AIDS da UCS, Rosa Dea Sperhacke, afirma que, no país, os dados de 2016 revelam que a testagem está quase chegando aos 90%, que é a meta para 2020. “O tratamento no Brasil continua a ser um sucesso, uma vez que cerca de 90% dos brasileiros em tratamento antirretroviral chegam à condição de carga viral indetectável”, reforça.
Informação, tratamento e redução
As metas 90-90-90, lançadas em 2014 na 20ª Conferência Internacional de AIDS, em Melbourne, Austrália, refletem uma mudança fundamental na abordagem mundial de enfrentamento do HIV/AIDS. O foco passou a ser o número de pessoas que acessam a terapia antirretroviral e a necessidade de maximizar a supressão viral – que, além de proteger as pessoas que vivem com HIV contra a progressão da doença para a AIDS, também reduz o risco de transmissão do vírus para outras pessoas.

* Os números entre parênteses, abaixo do percentual atual no mundo, se referem à faixa de oscilação dos índices, do menor para o maior, nos diferentes países pesquisados.
Fonte: Global UNAIDS Update /2017
HIV-AIDS em números
— Existem hoje, no mundo, 36,7 milhões de pessoas vivendo com HIV/AIDS.
— No Brasil, de 1980 a junho de 2016, foram notificados 842.710 casos de AIDS.
— Desses, 548.850 (65,1%) são em homens e 293.685 (34,9%) em mulheres.
— As taxas de detecção de AIDS em homens nos últimos dez anos têm apresentado crescimento.
— O Brasil tem registrado uma média de 41,1 mil novos casos por ano da doença.
— Apesar disso, a taxa de detecção de AIDS no Brasil tem apresentado estabilização nos últimos dez anos, com uma média de 20,7 casos/100 mil habitantes.
— Os maiores índices do país são apresentados pelo Rio Grande do Sul, com 34,7 casos/100 mil habitantes, e de Santa Catarina, com 31,9 casos/100 mil habitantes (dados de 2015).
— No mesmo ano, Porto Alegre apresentou taxa de 74 casos/100 mil habitantes em 2015, correspondente ao dobro da taxa do RS e a quase quatro vezes a taxa do Brasil.
— Desde 2000, a faixa etária entre 20 e 24 anos é a que apresenta o maior número de casos de gestantes infectadas com HIV (28,6%).
Fontes: Boletim Epidemiológico 2016 – MS/SVS/Departamento de DST, AIDS e Hepatites Virais, e Relatório UNAIDS.
Fotos: Claudia Velho
Reportagem publicada na revistaUCS – Edição 24 – Ago/Set 2017 – Leia mais.
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