“Minha geração viu a AIDS, uma doença mortal, transformar-se em uma doença controlável”.
Ao abrir o Simpósio 15 anos de HIV/AIDS no Brasil e no Mundo, Drauzio Varella destacou a importância da ciência, da prevenção e da atuação do SUS para o controle e erradicação da epidemia de AIDS no país.
As comemorações de aniversário de 15 anos do Laboratório de Pesquisa em HIV/AIDS da Universidade de Caxias do Sul possibilitaram reunir em Caxias do Sul, nesta quinta e sexta-feira, 24 e 25 de agosto, alguns dos mais renomados pesquisadores do Brasil e dos Estados Unidos e autoridades em HIV/AIDS do Ministério da Saúde e das secretarias de Saúde do Estado do Rio Grande do Sul e do município de Caxias do Sul em um encontro, aberto à participação da comunidade acadêmica, em que se pode conhecer e discutir aspectos do contexto global, nacional e regional da epidemia de HIV/AIDS.
“Informação passada corretamente modifica hábitos”

Na palestra de abertura, realizada na noite de quinta-feira para um público predominantemente de jovens que lotou o UCS Teatro, o médico oncologista Drauzio Varella deu o seu depoimento sobre como viu surgir a epidemia de AIDS – conhecida na época como ‘peste gay’ – em 1983, durante um período de estudos em um hospital de Nova York, EUA.
“Na volta para o Brasil eu era o único oncologista que tinha visto pacientes – na maioria jovens – morrendo em decorrência do Sarcoma de Kaposi, um tipo raro de câncer, e para o qual ainda não se conhecia tratamento eficaz”, recordou. Dessa experiência, nasceu o desejo de saber mais sobre a doença e compartilhar seus conhecimentos com a sociedade, que, em pânico, estava ávida por informações, principalmente sobre as formas de prevenção. “Naquela época, médicos sérios não davam entrevistas e não iam à televisão”. Depois de escrever um artigo sobre a AIDS para o jornal Estado de São Paulo e de dar uma entrevista na Rádio Jovem Pan, que ficou durante muito tempo no ar, ele, mais do que um médico sério, se transformou em um prestador de serviços à população. Um comunicador eficiente que se engajou em inúmeras campanhas nos meios de comunicação com a finalidade de esclarecer a população sobre prevenção à AIDS.
Em 1989, como médico voluntário, iniciou um trabalho com a população carcerária da Casa de Detenção do Carandiru – presídio masculino – para pesquisar a prevalência do vírus HIV. A ação começou com os detentos que recebiam visitas íntimas, mas acabou se estendendo a toda a cadeia, resultando em um trabalho social e educativo que prosseguiu até 2002, quando o presídio foi desativado. “Durante dez anos desenvolvemos um programa de palestras com os presos. Conseguimos conscientizá-los sobre os perigos até acabar com o uso da cocaína injetável – infelizmente, substituída pelo crack – e diminuímos a prevalência da AIDS na cadeia. Isso comprova que a informação passada corretamente acaba modificando hábitos”, relatou.
“Nós não podemos imaginar um Brasil civilizado sem a existência do SUS”
O surgimento, em 1995, de uma nova geração de medicamentos – os inibidores de protease – trouxe novos desafios para quem atendia a pacientes com HIV/AIDS. “Precisávamos convencer a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) sobre a importância de liberar essas drogas o mais rapidamente, para que elas chegassem logo aos pacientes”, lembrou.
A repercussão de uma entrevista sua no programa de Jô Soares, em que apresentou as vantagens dos novos medicamentos, convenceu os agentes públicos. Em 72 horas, os remédios foram liberados: “O Brasil fez uma revolução no tratamento da AIDS com a distribuição gratuita de medicamentos, através do Sistema Único de Saúde (SUS). Mostramos ao mundo que isso era possível. Para isso quebramos patentes e compramos brigas com grandes laboratórios internacionais”.

A distribuição gratuita de medicamentos para todos os pacientes diagnosticados como HIV positivos, via SUS, foi, na opinião do médico, um divisor de águas. “Com a distribuição dos remédios, a epidemia caminhou mais devagar. Vocês não sabem o que era a saúde do Brasil antes do SUS”, apontou Drauzio. “Mesmo com muitos problemas, o SUS brasileiro tem ilhas de excelência que são reconhecidas no mundo inteiro. Não podemos imaginar um Brasil civilizado sem a existência do SUS”, ressaltou. O sistema foi instituído no Brasil pela Constituição de 1988, oferecendo a todo cidadão brasileiro acesso integral, universal e gratuito a serviços de saúde. É considerado um dos maiores e melhores sistemas de saúde públicos do mundo.
Drauzio Varella é conhecido em todo o país, pelos programas na televisão, onde, há 18 anos, trata de assuntos relacionados à saúde humana Em todos os lugares em que chega é tratado com admiração. Seu jeito claro de abordar temas complexos, sua preocupação em ser compreendido por qualquer cidadão, independentemente de nível de escolaridade ou classe social, explicam em partem o respeito e a deferência com que é tratado pelo público, que reconhece na sua fala o poder do conhecimento que pode esclarecer e orientar, não somente em questões médicas, mas também comportamentais. “A sociedade deve ser informada de que corre riscos e que deve se prevenir quanto a isso, pois o governo não pode agir sozinho. Em nosso país, ainda morrem 14 mil pessoas por ano e decorrência da AIDS, o que é um número muito alto. Por isso a necessidade de se ampliarem as campanhas de prevenção, e todos devem se mobilizar para isso”, defendeu.
“A sociedade deve se conscientizar de que corre riscos e se mobilizar para buscar a prevenção”
Drauzio Varella endossou a preocupação dos pesquisadores e das autoridades em HIV/AIDS quanto à necessidade de avançar nas estratégias de prevenção da doença. “Temos que convencer as pessoas mais jovens, que não viveram a realidade do passado, de que a AIDS é uma doença grave, que ainda é uma ameaça. E a população tem que receber essa informação ativamente para que possa se prevenir. As forças conservadoras da sociedade e Igreja Católica, que são contra o uso do preservativo, acabam prejudicando as campanhas de prevenção, e muita gente pode morrer por causa disso. A área da prevenção é muito importante e há muitos recursos acessíveis pelo SUS, gratuitamente, que podem mudar o rumo da infecção por HIV. E, nós temos que contar com a ciência, que vai nos ajudar com as pesquisas, com os testes, com novos medicamentos. A prevenção é a saída para a saúde dos brasileiros, seja na esfera pública, através do SUS, seja na esfera do atendimento privado, na saúde suplementar”.
AIDS no Brasil e no Mundo
- Existem hoje no mundo 36,7 milhões de pessoas vivendo com HIV/AIDS.
- No Brasil, de 1980 a junho de 2016, foram notificados 842.710 casos de AIDS. Nos últimos cinco anos, o Brasil tem registrado, anualmente, uma média de 41,1 mil casos da doença.
- Desses 842.270 casos no Brasil, 548.850 (65,1%) são em homens e 293.685 (34,9%) em mulheres.
- As taxas de detecção de AIDS em homens nos últimos dez anos têm apresentado tendência de crescimento.
- A taxa de detecção de AIDS no Brasil tem apresentado estabilização nos últimos dez anos, com uma média de 20,7 casos/100 mil habitantes.
- Em 2015, o ranking das unidades da federação referente às taxas de detecção de AIDS mostrou que os Estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina apresentaram as maiores taxas, com valores de 34,7 e 31,9 casos/100 mil habitantes.
- Porto Alegre apresentou taxa de 74 casos/100 mil habitantes, em 2015, valor correspondente ao dobro da taxa do Rio Grande do Sul e a quase quatro vezes a taxa do Brasil.
- No período de 2000 até junho de 2016, foram notificadas, no Brasil, 99.804 gestantes infectadas com HIV.
- Desde 2000, a faixa etária entre 20 e 24 anos é a que apresenta o maior número de casos de gestantes infectadas com HIV (28,6%), notificadas no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan)
Pelas metas 90-90-90 UNAIDS, espera-se que até 2020:
– 90% de todas as pessoas vivendo com HIV conheçam seu estado sorológico positivo para o vírus.
– 90% de todas as pessoas diagnosticadas com HIV tenham acesso ao tratamento antirretroviral.
– 90% de todas as pessoas em tratamento tenham carga viral indetectável.
Fonte: Boletim Epidemiológico 2016 – MS/SVS/Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais.
Fotos: Claudia Velho
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