Prevenção ao suicídio: amarelo que representa a vida.

Assessoria de Comunicação da Universidade de Caxias do Sul - 06/09/2017 | Editado em 11/09/2017

Universidade se engaja na campanha mundial Setembro Amarelo, que faz uma alerta sobre a prevenção aos casos de suicídio. No sábado, dia 2 de setembro, o auditório do Bloco H do Campus-Sede lotou para ouvir profissionais de diferentes áreas do conhecimento abordarem o tema.

Amarelo significa luz, contraponto ideal para a sombra e desesperança que assola uma pessoa a cada 40 segundos no mundo e a cada 45 minutos no Brasil. O número indica a razão de suicídios que ocorre, por dia no planeta e no país, respectivamente, e demonstra como a prática de eliminar a própria vida tem – infelizmente – crescido nas últimas décadas.

Para debater o assunto e dissolver o tabu que cerca o tema do suicídio, a Universidade de Caxias do Sul se engajou na campanha do Setembro Amarelo – Campanha de Prevenção ao Suicídio. Na manhã do sábado, dia 2 de setembro, durante a abertura da campanha, professores da Universidade, psiquiatras e voluntários do Centro de Valorização da Vida trabalharam a temática do suicídio a partir de diferentes ângulos e mostraram preocupação diante da reincidência dos casos.

O suicídio em diferentes abordagens

Filosofia, Sociologia e Psicologia se debruçam sobre o tema do suicídio há tempos. Cada uma dessas ciências explora o objeto de estudo de diferentes ângulos e de maneiras complementares. Para dar conta da complexidade do tema, os professores Luis Fernando Biasoli, da Filosofia, Caetano Kayuna Sordi Barbará Dias, do curso de Sociologia, e a professora Tânia Maria Cemin Wagner, da Psicologia, falaram sobre o suicídio em diferente abordagens.

Biasoli deu um panorama sobre os modos como os filósofos encaram o suicídio no tempo. Entre os filósofos referenciados, comentou que o pensador alemão Immanuel Kant, a partir do imperativo categórico, pensa o suicídio como uma problemática na medida em que, caso fosse seguido por todos, levaria a um colapso social.

No campo da Sociologia, explica o professor Barbará, Émile Durkheim é um dos principais pesquisadores da temática, tendo inclusive escrito um livro sobre o suicídio. Na perspectiva do estudioso, a medida da integração social age sobre os indivíduos, levando a um maior ou menor potencial do suicídio. Ele salientou ainda o aspecto das relações contemporâneas, em que as redes sociais se mostram como espaços de mediação, fazendo nascer novas formas de comunicação e, com ela, casos de cyberbullying – há relatos de suicídios causados por essa forma midiatizada de opressão.

“Suicídio não é apenas a morte de alguém, é um fenômeno que se dissemina pelo meio social”, argumenta.

Mais focada no âmbito individual, a Psicologia observa o suicídio como uma forma da pessoa eliminar a dor que o atinge. “Muitos pacientes que fizeram tentativas do suicídio chegam a nós com a seguinte informação: ‘eu não tinha noção de acabar com minha existência, mas em dar conta daquele sentimento’, contextualiza a professora Tânia Wagner, do curso de Psicologia da UCS, mostrando como a dor psíquica leva ao comportamento perigoso.

Nessa perspectiva, ela detalha que, mesmo em diferentes abordagens, a Psicologia compreende a necessidade do paciente em dar sentido interno ao sentimento por meio da fala. Dessa maneira, é indispensável ao indivíduo que tentou ou pensa em praticar suicídio ser escutado e se escutar, buscando, especialmente, pela psicoterapia, gerar motivações de vida, fugindo assim dos pensamentos depressivos que o perseguem.

Os dados sobre suicídio no Brasil demonstram preocupação. Entre 1980 e 2014, houve um aumento de 27,2% no número de casos registrados no país, na faixa de idade que vai de 15 a 29 anos. Os dados do mapa da violência, e compilados pela BBC Brasil, evidenciam que apesar de fazer parte do meio social, o suicídio permanece como tabu.

Em 2017, por duas vezes, ao menos, o tema veio à tona com forte repercussão. Num primeiro momento, pela série “13 Reasons Why”, da Netflix, narrativa sobre o dia a dia de uma jovem em uma escola americana que resolve terminar com a própria vida. No outro exemplo, no final do primeiro semestre, um jogo conhecido como Baleia-azul passou a ser disseminado entre internautas. Os desafios envolviam desde mutilações corporais à prática do suicídio. Muitos jovens foram envolvidos por meio do Whatsapp. Calcula-se que os desafios tenham levado à morte cerca de cem pessoas no mundo.

A série americana trouxe para o debate social o tema do suicídio que, normalmente, é carregado de tabus e silêncios. O jogo da Baleia-azul, por sua vez, escancara uma situação típica do suicida: os indícios do sofrimento, uma vez que a mutilação estimulada pelo jogo pode sinalizar a dor psíquica que a criança e o jovem sofrem. “Estudos mostram que há relação entre a mutilação, a provocação da dor física, e a atenuação da dor psíquica”, explica o médico psiquiatra Andres Kieling (na foto abaixo, à  esquerda), palestrante convidado para a abertura do Setembro Amarelo na UCS.

O especialista explica que o suicídio é cercado por dois sentimentos próximos e preocupantes: o desespero e a desesperança. O desespero demonstra o quadro de sofrimento do potencial suicida, enquanto a desesperança tem efeito mais devastador e pode levar de fato ao ato. “A esperança é o que move as pessoas. O mais grave é o paciente sem esperança. Quando o tratamos, não tratamos apenas contra a morte, mas também contra a desesperança de se viver”, analisa.

O psiquiatra Ricardo Nogueira (na foto acima, à direita), também palestrante do evento, considera o suicídio não como comportamento simples, mas um fenômeno complexo. O tema estudado durante sua dissertação de mestrado, aponta para dados preocupantes: de 40 a 60% dos suicidas chegaram a buscar um médico para a realização de consulta, mas acabaram indo a um clínico geral, quando deveriam ser direcionados aos serviços de saúde mental.

A partir dessa situação, Nogueira aponta alguns problemas sistemáticos que prejudicam o atendimento efetivo e de prevenção ao suicídio, como os serviços de saúde mental não organizados. Ele destaca também outro número preocupante: cada suicídio concretizado afeta de 5 a 10 pessoas, como familiares e pessoas próximas. “Por ser complexo, o suicídio gera desconhecimento, medo e preconceito. É um fato incômodo para a sociedade e acaba criando atitudes condenatórias”.

Uma saída pela vida

Nogueira frisa ainda que a sociedade atual é narcisística e autista e isso gera problemas relacionados à ansiedade, angústia e desespero. Tais fatores colaboram para que os indivíduos se sintam desamparados. Em outra frente, fatores individuais acabam reforçando o potencial da gravidade. “Em média, ninguém se mata na primeira tentativa”, contextualiza o psiquiatra que faz um alerta: “a ameaça de suicídio é uma forma de pedir ajuda”.

E a ajuda passa necessariamente por serviços públicos preparados para darem conta dessa situação. Mas envolve também uma ruptura dessa condição narcisística do qual fala Nogueira. Ele próprio elenca pontos essenciais a serem trabalhados pela sociedade:
– Redução do estigma do suicídio.
– Capacitar os profissionais para atendimento.
– Desenvolver projetos educacionais.
– Aumentar a destinação de recursos.
– Divulgação responsável nos veículos de comunicação social.
– Restrição do acesso a meios que estimulem o suicídio.
– Apoio ao desenvolvimento de pesquisa sobre o tema.

Vários projetos e iniciativas estão sendo implementados para responder às demandas elencadas pelo psiquiatra Ricardo Nogueira. O Centro de Valorização da Vida é um exemplo disso. A organização presta serviço voluntário e gratuito de apoio emocional e prevenção do suicídio para todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo. No Rio Grande do Sul, o número para contato é o 188 e não há custos.

Fotos: Vagner Espeiorin