Doutorado em Educação: primeira tese aborda a pesquisa no cotidiano do ensino médio.

Assessoria de Comunicação da Universidade de Caxias do Sul - 29/04/2019 | Editado em 28/07/2023

Antes do prazo regulamentar, Cineri Fachin Moraes, defende, nesta quarta-feira (8),  a primeira Tese de Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Educação da UCS. Com o título Juventudes do Século XXI e o Cotidiano do Ensino Médio no Rio Grande do Sul: por entre as dobras do Seminário Integrado, o trabalho exigiu da pesquisadora “estar na escola e acompanhar as rotinas e rupturas do cotidiano a partir da voz dos jovens estudantes, enfrentando o desafio de decifrar os enigmas que perpassam as relações entre os atores que integram o universo escolar”.

Iniciado em 2016, o processo do doutoramento em Educação de Cineri Fachin Moraes envolveu um estudo sobre as vivências da pesquisa na escola, articuladas à experiência escolar e juvenil de estudantes do ensino médio do Estado do Rio Grande do Sul, mais especificamente aqueles matriculados nas escolas da região de abrangência da 4ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE), um universo de 58 escolas estaduais de ensino médio, distribuídas em 14 municípios da Serra Gaúcha. As conclusões dessa investigação, que teve a orientação da professora Nilda Stecanela (UCS) e a co-orientação do Professor José Machado Pais (Universidade de Lisboa) integram a Tese de Doutorado Juventudes do Século XXI e o Cotidiano do Ensino Médio no Rio Grande do Sul: por entre as dobras do Seminário Integrado”, a primeira a ser defendida no Programa de Pós-Graduação em Educação.

A proposta pedagógica para o Ensino Médio Politécnico, vigente entre 2011 e 2016, buscou promover espaços para que o jovem vivenciasse situações de investigação, de mobilização e de intervenção na realidade, relacionando as vivências escolares com as juvenis e com o mundo do trabalho, oportunizando assim que a escola pudesse falar e vibrar para além da curiosidade ingênua, ou seja, em direção à criticidade.

Considerando o movimento da curiosidade ingênua, com deslocamento para a criticidade e aproximações com a curiosidade epistemológica, referido  pelo educador Paulo Freire, possibilitando um enfretamento da crise de sentidos do ensino médio, é que Cineri concentrou a análise no cotidiano escolar com ênfase na pesquisa na escola e nas aprendizagens vividas pelos jovens estudantes nessa etapa da educação. No contexto metodológico adotado, a pesquisadora escutou os jovens e analisou suas narrativas a respeito da pesquisa na escola incentivada pela proposta do Seminário Integrado. Das palavras dos jovens estudantes, foram identificadas e analisadas cinco categorias:
– Escola é assim: é isso e pronto. É isso e ponto.
– Desde pequeno a gente é acostumado a ir, ir, ir e nunca perguntar as coisas.
– Entre passado e futuro: tempo de agora e novos horizontes.
– Escola como laboratório da vida cotidiana.
– Seminário Integrado e a pesquisa na escola: um portal de passagem.

Essas categorias mostram tensões entre o cotidiano escolar e juvenil, bem como orientam para atitudes de escuta aos jovens sobre o que, de fato, interessa-lhes saber, a exemplo do que demonstra a narrativa de Alfredo:

– “A realidade não fecha.  A nossa realidade fora da escola não fecha com a realidade de dentro da escola. Tu tem que trabalhar… tu tem que correr atrás de outras coisas além da escola.  A realidade do Brasil em si é diferente. Tentar aproximar mais o que a gente gosta. Trazer, juntar tudo isso que a gente gosta para dentro da escola. Um ensino mais amplo, mais aberto assim.  Juntar a vida pessoal com a escola, fazer pesquisas livres”.

Diante das palavras dos jovens, foram alinhavadas indicações para pensar em ações escolares que potencializem políticas públicas considerando os jovens e seu cotidiano escolar, ou seja, aproximando as propostas educativas dos tempos dos jovens estudantes. A partir dos achados de sua investigação e, essencialmente, das narrativas dos educandos, Cineri ressalta a relevância de “Escutar as vozes que circulam e que ecoam na escola e fora dela, bem como as narrativas daqueles e daquelas que transitam e pisam seu chão me instiga a acreditar, mesmo em cenários de enfrentamentos, na (re)invenção da ação educativa”.

DEPOIMENTO

Olhar para a trajetória vivida é lembrar um passado que significa o presente e projeta o futuro.

“Minha trajetória de vida e formação é marcada por pessoas e momentos especiais. Nasci e moro em São Marcos, cidade do interior do Rio Grande do Sul, situada na Serra Gaúcha. Meus pais, mesmo sem terem completado o ensino fundamental, sempre priorizaram o estudo e nunca mediram esforços para oportunizar a mim e às minhas irmãs todas as condições e afetos para sermos quem somos.

Meu percurso de estudante iniciou em 1975 na Educação Infantil. Cursei o Ensino Fundamental e ao ingressar no Ensino Médio, ambos em escola pública, a opção pela área da Educação se definia. Em 1988, iniciei o Curso de Licenciatura em Pedagogia na UCS. Nesse mesmo ano, prestei concurso para o magistério na rede municipal de São Marcos, fui aprovada e iniciei minha trajetória profissional atuando como professora em uma escola rural, na localidade de Santo Henrique. Em 1993, com a graduação concluída, iniciei meu percurso docente na rede estadual de ensino. Em 2001, fui convidada para compor a equipe da Secretaria Municipal de Educação de São Marcos, onde atuei até 2006. Nesse período, o compromisso com a educação tomou uma dimensão maior. Os estudos e a formação continuada foram intensos, e a percepção de que ainda tinha muito a aprender provocou em mim várias inquietudes.

Enquanto estava na Secretaria de Educação, assumi, em maio de 2004, paralelamente, a função de orientadora acadêmica no curso de Licenciatura em Pedagogia da UCS. Retomei a rotina de estudante, participando da Especialização em Educação a Distância, também na UCS. Esse momento profissional, além de muito estudo, permitiu aproximações com as culturas acadêmicas e com a formação de professores. Desde então, a motivação em continuar os estudos e perseguir a meta de ser professora no nível superior me mobilizou para ingressar, em 2008, no Mestrado em Educação, sob a orientação do professor Lúcio Kreutz e a coorientação da professora Nilda Stecanela. A problemática de investigação envolveu as representações que a alunas-professoras do polo acadêmico de São Marcos elaboraram acerca de sua formação acadêmica. Ao finalizar o mestrado prestei concurso, e desde 2009, atuo como docente do Curso de Pedagogia na UCS, sou membro do Colegiado, coordeno o Curso de Formação Pedagógica e participo do Observatório de Educação da UCS. Na rede pública de ensino há mais de três décadas, atualmente sou coordenadora pedagógica de uma escola estadual de Ensino Fundamental em São Marcos.

Diante das memórias anunciadas, segui a jornada de formação. A curiosidade por trilhar caminhos que pouco explorei, o convívio bastante aproximado com jovens estudantes, as ‘escutas’ nos espaços escolares e não escolares, tanto das narrativas de jovens, como de profissionais que atuam no Ensino Médio, as dúvidas e desafios, a proposição de uma política envolvendo uma proposta pedagógica diferenciada para essa etapa da Educação Básica no Estado do Rio Grande do Sul, entre outras motivações com relação à temática da juventude, me impulsionaram a seguir os estudos e participar, em 2016, da seleção da primeira turma do Doutorado em Educação, realizada no segundo semestre de 2016.

Desde que cogitei participar do processo seletivo para o Doutorado, pessoas fundamentais em minha vida estiveram ao meu lado e embarcaram nesta jornada comigo, fornecendo as condições necessárias para seguir a trajetória, pois as demais atividades profissionais precisaram ser conciliadas com os estudos vinculados ao processo de doutoramento. Com o esposo e um casal de filhos universitários, o contrato familiar foi fundamental. As combinações, o respeito aos tempos de estudo e escrita, a compreensão com as ausências e o permanente apoio e incentivo foram essenciais para que concluísse a tese em três anos de intensa entrega.

Ao longo do processo de doutoramento, a organização de uma rotina com protocolos de estudos, registrados em blocos mensais e semanais, acompanhados de vigilante disciplina, potencializaram e otimizaram o uso dos tempos e permitiram conciliar as diferentes frentes de trabalho com a pesquisa e os demais papeis assumidos. Os estudos do doutorado oportunizaram experiências para além da academia. A aproximação com os estudos do professor José Machado Pais, sua vinda para a banca de qualificação da tese e o incentivo da orientadora Nilda Stecanela, impulsionaram a vivência de um período de estágio de doutoramento no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa – Portugal, sob orientação do pesquisador Machado Pais. As aprendizagens construídas durante os meses no exterior, as produções feitas, a participação em eventos e as orientações semanais, potencializaram e enriqueceram teoricamente o estudo, principalmente no que se refere a Sociologia da Vida Cotidiana como postura orientadora da investigação. Vislumbrar a conclusão deste momento de formação fortalece e provoca dar sequência ao compromisso com as ações educativas, com as juventudes e com a pesquisa na escola”.

Nas fotos de Claudia Velho,  Cineri e seus orientadores –  Nilda Stecanela e José Machado Pais – em maio de 2017, na banca de qualificação do seu projeto de Tese.